O homem que via o trem passar
Autor: Georges Simenon
Tradutor: Raul de Sá Barbosa
Editora: Abril Cultural
Edição: 1983
Páginas: 182
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Simenon, o escritor admirado por Fellini, Camus e Clarice Lispector, adota aqui um estilo muito diferente daquele de seus romances policiais. O Homem que Via o Trem Passar, conta a história de um burguês que resolveu desmascarar a hipocrisia de seu meio, em busca de uma explicação mais razoável para o absurdo da vida.
O turbilhão de atividades em junho atrasou a recomendação do livro de hoje, mas finalmente sentei para escrever sobre o excelente O homem que via o trem passar de Georges Simenon. Eu conheço a obra do autor porque fiz duas leituras com enredos envolvendo o Comissário Maigret, mas como a orelha da edição da coleção Grandes Sucessos indica essa é uma história diferente do autor.
A narrativa em terceira pessoa logo dita o ritmo de leitura. Em uma página Georges Simenon apresenta os principais personagens do livro sem que isso faça qualquer sentido para o leitor, pelo menos não de imediato. O fato é que Kees Popinga, protagonista, parece uma figura pra lá de peculiar, mas essa sensação é só o início da jornada que o leitor vive juntos com o burguês de meia idade.
Tudo começa quando Kees Popinga sai para uma visita de inspeção a um dos navios da prestigiada empresa onde trabalha quando percebe que algo muito errado está acontecendo no porto: não há movimentação da tripulação, nem combustível e sequer sinal de que o cargueiro irá zarpar em poucos minutos. Imediatamente Popinga corre a empresa, mas não encontra o patrão. Nem mesmo em sua casa. Desolado, ele anda pela ruas quando num bar improvável avista Julius de Coster Jr, chefe, e gatilho da grande mudança da sua vida.
É a conversa entre Popinga e Coster Jr. que me envolveu na leitura de imediato. Funcionário dedicado, ele não imagina que o chefe, com poucas palavras, consegue desmoralizá-lo e arruinar sua vida. Kees Popinga sempre seguiu as regras sociais com um bom emprego, família reunida e a casa mais bonita do bairro, um típico burguês da primeira metade do século XX. Ao descobrir que tudo o que construiu, tudo que fez, e como abdicou de ter uma opinião, no fim, não valeu em nada, ele resolve viver como realmente quer e é aí que o livro mergulha ainda mais no existencialismo.
As metáforas usadas por Georges Simenon, algumas até radicais, servem para mostrar ao leitor que nem tudo que parece é, seja na próspera família burguesa, seja numa empresa de prestígio há décadas. Kees Popinga não aceita a privação de anos para terminar na ruína e é a partir daí que se torna livre, outra analogia significativa, como se para ser quem se é, é preciso abdicar de convenções sociais, ou dinheiro, ou até mesmo do senso de caráter anterior.
Outro ponto essencial é como as pessoas que conhecem Popinga lidam com sua mudança repentina. A mulher, por exemplo, defende que o marido foi acometido de um surto, que jamais poderia fazer algo fora da lei ou mesmo cometer um crime. Para ela (e porque não para o leitor), a figura que se torna pública simplesmente não é a pessoa que ela conheceu e viveu durante anos. É difícil ser indiferente e ignorar que podemos viver exatamente o que ela vive no livro (ou ainda pior, se dar conta que somos o Kees Popinga).
Em meio a reflexões existencialistas e sociais, Georges Simenon introduz uma pitada de aventura e de investigação, o que faz todo sentido no enredo. Popinga encontra aliados improváveis, mas logo vai perceber que no final todos lutam para salvar a própria pele e o protagonista que se considera cauteloso e até sagaz, logo que percebe que cometeu alguns erros.
O trecho final do livro me ganhou por dois motivos: o jogo de caça entre Kees Popinga e a polícia, especificamente na figura do Comissário Lucas e a agenda de anotações do personagem principal. Ambos elementos contribuem para as tão presentes reflexões sobre pessoa e individualidade, porque de um lado tem um agente misterioso que não dá detalhes do caso, e do outro um Popinga cada vez mais afundado em problemas, mas que de alguma forma, através de suas memórias, tenta se justificar.
O homem que via o trem passar foi realmente uma experiência de leitura diferente, principalmente se comparada com os dois livros anteriores que li do autor, porque traz uma reflexão existencial que se destaca, ao mesmo tempo que mantém o misto de crime e investigação, além da discussão da sociedade no geral. Minha nota para a história de Georges Simenon foi de quatro estrelas no Skoob e favorito. Gostaria de ter visto a participação da família de Popinga um pouco mais no enrendo, e no geral foi uma experiência excelente. Já conhece a obra do autor?
Beijos!
Fotos: Nine Stecanella
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